O incolor está nos olhos de quem vê
Publicado em 2013, o livro O Incolor Tsukuru Tazaki e Seus Anos de Peregrinação conta a história de Tsukuru, um jovem adulto que escolheu não enfrentar o abandono que sofreu por parte de amigos, mas que, mesmo depois de 16 anos, sente os efeitos desse baque. O autor, Haruki Murakami, faz os leitores refletirem sobre o quão problemático a passividade diante de situações e traumas pode nos afetar. Murakami discute também, de forma inteligente, o conceito de perspectiva e autoconhecimento. A cada página, é possível sentir a angústia e o sentimento de vazio que o nosso personagem principal carregava.
Tsukuru também sofre com a necessidade de buscar no outro a aprovação para ser e fazer o que deseja. Ele frequentemente deposita seu destino no outro e, de certa forma, sua vida; está sempre observando e esperando pela vida, tal como os passageiros da estação de metrô de Shinjuku. Mas Tsukuru vai, aos poucos, percebendo que a vida está de fato acontecendo bem na sua frente.
Foi curioso ver que Tsukuru, um homem feito, que literalmente constrói estações — coisas que nos ajudam a nos manter em movimento —, seja tão estagnado e passivo em sua vida pessoal. Um homem inteligente, que decorou mapas e horários de diversas linhas de metrô, mas que está perdido em sua própria vida. Mas o mais interessante foi que, de certa forma, todos nós já fomos meio Tsukuru. Seja evitando uma conversa difícil ou procurando no outro a cura para nossa infelicidade, não é mesmo?
À medida que avançamos na leitura, temos a sensação de que Tsukuru vai “acordar”, e ele até o faz, mas a pedido de sua quase namorada, Sarah. Uma mulher que entra na vida dele e o coloca em movimento (o que, para mim, até certo ponto, é problemático, pois me deu a sensação de vender a ideia de que uma mulher necessariamente tem que estar ali, escutando e sendo suporte para um homem já adulto, blá blá blá… mas não vou entrar nesse ponto agora).
Depois de uma conversa franca com Sarah, Tsukuru entende que precisa resolver a angústia que carrega dentro do peito há 16 anos. Ele decide “enfrentar” e revisitar os amigos que o abandonaram de um dia para o outro. Ele então descobre que toda a angústia que viveu por anos e anos, e que até quase, literalmente, o matou, não passou de um engano. Tsukuru foi acusado de um crime que não cometeu, e seus amigos escolheram se afastar, por mais que, no fundo, soubessem da verdadeira história.
Durante essas revelações, uma frase que meu pai dizia muito me veio à cabeça: “às vezes o tamanho do dragão não é do tamanho que a gente pinta”. E não é que é verdade? Tsukuru viveu arrastando essa dor por anos e poderia ter evitado muitos momentos de tristeza profunda se apenas tivesse tomado coragem, segurado firme as rédeas de sua vida e exigido uma explicação de seus quatro amigos coloridos. Isso me fez refletir em quantas conversas deixamos de ter ou evitamos, e como elas, de certa forma, moldam o nosso destino. Também nos faz pensar se realmente é uma boa ideia não procurar entender certas atitudes e ações de pessoas à nossa volta.
Outro ponto que chama a atenção no livro é como, mesmo depois de tudo que Tsukuru experienciou revisitando esse passado, as conversas que teve com seus amigos e com Sarah, ele ainda se sentia uma pessoa incolor em meio a um mundo, segundo ele, colorido. Nosso protagonista termina o livro ainda angustiado e com a ânsia de saber se é digno de um amor; segue depositando, não só sua felicidade, mas um motivo para viver no outro. Isso me fez pensar em quantas vezes deixamos de existir, mesmo que por alguns segundos, apenas porque acreditamos na ideia de que não somos bons o bastante. Não sei bem se essa foi a intenção de Murakami, mas no final do livro terminamos, assim como Tsukuru, esperando e refletindo sobre o fato de que ele ainda procura em Sarah um motivo para seguir vivendo, mesmo tendo plena consciência de que é mais que capaz de seguir com seus próprios pés. Tsukuru ainda não entende que está dentro dele a capacidade de ser feliz e o maior motivo para seguir vivendo.
Lembrando que tudo o que falei parte do meu ponto de vista pessoal sobre a leitura que fiz. Com este texto, não busco que ninguém concorde comigo ou tenha as mesmas perspectivas; apenas escrevo como forma de um diário pessoal para colocar em palavras o que senti e entendi durante as minhas leituras.